Muralhas que
dividiram os seres humanos sempre estiveram presentes ao longo da História.
Alguns exemplos são a muralha da China – construída como tática militar e cujos
primeiros sinais remontam ao século VII antes de nossa era; a Muralha de Adriano, que o
imperador construiu em 122 d.C. para separar os romanos dos bárbaros; o muro de
Berlim, construído no contexto do pós II Grande Guerra, no que se convencionou
chamar de Guerra Fria – a princípio uma cortina de arame
farpado, rapidamente substituída por placas de concreto em 1961 – o muro
separava fisicamente a cidade, dividindo-a em dois setores, Leste e Oeste e delimitava as fronteiras entre capitalistas e
comunistas. Num exemplo mais
recente, temos a "Barreira de segurança" entre a Cisjordânia e Israel
construída no ano de 2004. A intenção de todas sempre foi uma só: apartar uns de outros.
Em seu texto "Mãe, onde dormem as pessoas marrons?" a escritora e jornalista Eliane Brum também fala de muralhas. Ela fala de
muralhas físicas, de concreto, chamadas de condomínios, que as pessoas
constroem com cada vez mais freqüência numa tentativa de sentirem-se seguras
nessa “selva de pedra” em que se transformaram as grandes cidades brasileiras: Eliane
compara o Brasil atual a um grande condomínio – existem os que habitam o “lado
de dentro” desse lugar e os que tentam sobreviver do “lado de fora”, no
não-lugar. Em seu texto, a jornalista
toca em importantes questões atuais tais como o debate que tomou conta dos
noticiários e redes sociais nas últimas semanas em torno da redução da
maioridade penal no Brasil, de 18 para 16 anos. O projeto de lei foi aprovado –
mas qual o custo disso para o país?
Porém, o principal mérito do texto de Brum talvez
consista no fato de levar-nos a uma reflexão sobre muralhas não palpáveis: as chamadas
“muralhas internas” que todos cultivamos em maior ou menor grau ao longo da
vida, para nos blindar, para nos proteger e nos dar a sensação de conforto e
aceitação – ainda que tal percepção seja quase sempre ilusória. E ao ler o
texto é impossível não levantarmos individualmente algumas reflexões
inquietantes: quantas muralhas estamos construindo ao redor de nós mesmos?
Quantas barreiras estamos levantando que talvez nos impeçam de enxergar o
primordial, o essencial das coisas? Quantos muros estaremos dispostos a
derrubar numa possível caminhada rumo a um pais mais justo e solidário?
Ao final do texto, Eliane nos brinda com um
delicado vídeo intitulado "Caminhando com Tim-Tim" em que nos mostra que é na
pureza das crianças que conseguiremos vislumbrar sentido para a palavra
“esperança”, e nos faz lembrar da célebre frase de Proust: “a verdadeira viagem de descobrimento não
consiste em procurar novas paisagens e sim, olhar com novos olhos.”
Que nunca percamos de vista o quão vital é enxergar além do óbvio e do senso comum em algumas
questões postas para o Brasil atual!